quarta-feira, 10 de abril de 2013

Precariedade em frigoríficos do país expõe falhas na inspeção sanitária de Estados e municípios

Estabelecimentos de abate que não cumprem as normas fitossanitárias


O Brasil tem um rebanho que cresce a cada ano. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o país possui o maior rebanho comercial do mundo, com mais de 200 milhões de cabeças. O que deveria ser motivo de orgulho, no entanto, fica, em parte, comprometido por um número assustador. Pelo menos 30% dos abates realizados em território nacional são clandestinos, ou seja, não passam por nenhum tipo de inspeção e sem controle algum de qualidade.

– No Brasil, estamos acostumados a ver e lei e não obedecer. É preciso que as leis sejam obedecidas, acatadas e fiscalizadas – afirma o presidente da Associação Brasileira de Frigorifícos (Abrafrigo), Péricles Salazar. Se os abates clandestinos assustam, um outro tipo de abate representa uma armadilha ainda mais perigosa para os consumidores. São os chamados "abates clandestinos oficializados", aqueles que, pelo menos no papel, cumprem todas as exigências fitossanitárias e têm como garantia o Selo de Inspeção Municipal, o chamado SIM, ou o Selo de Inspeção Estadual, o SIE.

Em muitos casos espalhados pelo Brasil, os abates clandestinos representam uma armadilha perigosa para os consumidores. No município de Canguçu, na região sul do Rio Grande do Sul, o frigorífico JB tem licença municipal para funcionar. Já na chegada, a quantidade de cachorros chama a atenção. O veterinário responsável autoriza a entrada da equipe sem a roupa de proteção. Nas paredes, faltam azulejos, e os resíduos estão espalhados pelo solo.

– Só não foi fechado ainda por uma caridade minha, mas já reduziu bastante. Só autorizo cinco abates por semana. Isto aqui tinha que estar com água e desinfetante para cada vez que entrar lavar os pés – diz o veterinário.

Um dos funcionários arrasta o animal para dentro da sala e corta o boi ainda no chão, o que é totalmente contra as normas fitossanitárias. O próprio veterinário admite a ausência no dia-a-dia do frigorífico.

– Fazia quase um mês que eu não vinha aqui – afirma.

Já no município de Taquara, na Região Metropolitana de Porto Alegre, o frigorífico Henrique de Lar Lauck tem a licença estadual para funcionar. Mesmo com o acompanhamento do veterinário, no entanto, as normas sanitárias não são respeitadas. O funcionário sai da sala do abate, passa pelo tanque de desinfecção, circula pela área interna e pelo posto de atordoamento do animal, sem que haja nenhuma preocupação com a contaminação. Dentro da sala, ninguém usa luvas e poucos estão com a máscara de proteção.

Os dois casos apresentados nesta reportagem representam os tipos de inspeção que não funcionam no país: a estadual e a municipal. Vários fatores são apontados para incompetência na administração destas duas esferas, entre eles uma questão cultural. A lei existe, mas não é cumprida, o veterinário assina como responsável mas não aparece, o bem estar animal é totalmente ignorado e, na última ponta, o consumidor fica exposto a própria sorte.

– Nós temos três tipos de inspeção no país: federal, estadual e municipal. A federal funciona bem, o problema está na estadual e, principalmente, na municipal – classifica o presidente da Abrafrigo.

No Brasil, existem 211 abatedouros com inspeção federal, 600 com inspeção estadual e 1.334 com inspeção municipal.

– É uma conta na ponta do lápis. Se você pegar os 28 milhões de abates oficiais entre inspeção federal, estadual e municipal, você vê que sete milhões são estaduais e municipais, e nossa amostra diz que 80% desse segmento é feito sem inspeção de fato – analisa o presidente da ONG Amigos da Terra, Roberto Smeraldi.

No Centro-Oeste, a mesma realidade


Do Rio Gr

– O que mais nos chamou a atenção é que o veterinário não aparece. E isso, além do desvio de função, o que mais chama a atenção é que é sistêmico. É normal que ele não esteja lá. A exceção é o veterinário que aparece. E ele incomoda, é um intruso... um estranho no ninho – diz o presidente da ONG Amigos da Terra.

Em Goiás, o festival de irregularidades continua. Na cidade de Mara Rosa, no frigorífico Frigomar, um rapaz de 15 anos trabalha dentro da sala de abates. O animal ainda vivo é abatido no chão e chega a ser chutado pelo funcionário. Depois de receber vários golpes com uma marreta, instrumento já banido, o animal continua vivo. Em Bom Jesus de Goiás, no abatedouro São José, um funcionário carrega a carne sem luvas, a buchada fica depositada no chão, os instrumentos são acomodados sobre a mureta, sem qualquer cuidado com a higiene.

– Falta fiscalizar, existe lei, existem regras, é uma questão política, o prefeito conhece o proprietário... É preciso que a União preste atenção nos municípios e em muitas inspeções estaduais e fiscalize com mais rigor para evitar todos estes crimes cometidos – considera Péricles Salazar, presidente da Abrafrigo.

Em São Paulo, violência nos abates

Nem mesmo no interior do Estado mais rico do Brasil as condições são melhores. Na cidade paulista de Jeriquara, no Abatedouro Municipal, o novilho está agitado no curral. O funcionário sem camisa se aproxima e chuta o boi várias vezes. O outro usa a bateria do caminhão para ligar a vara de choque e aplica várias descargas no animal. Sem conseguir retirá-lo do curral, resolvem abater o animal ali mesmo, de uma maneira nada convencional.

De acordo com o presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec), Antônio Camardelli, a questão passa por uma mudança de cultura e por uma discussão interna de responsabilidade.

– Muitas vezes, não adianta o Mapa delegar para os Estados. Nós precisamos dar garantias ao consumidor e trazer estas pessoas que estão interessadas em reorganizar, que estejam conosco. mas volto a dizer, o grande desafio é mudarmos esta versão simplória da responsabilidade profissional.

O assunto foi tema de uma audiência pública no Senado nesta terça, dia 9. Além de parlamentares, representantes do Ministério da Agricultura, do Conselho Federal de Medicina Veterinária e secretários estaduais participaram do debate.
ande do Sul até Mato Grosso do Sul, são 1,3 mil quilômetros, quase 17 horas de viagem. A distância, porém, não muda a realidade. No município de Eldorado, um funcionário sem camisa aplica vários choques no animal. Sangue e resíduos estão jogados no chão. Em Bela Vista, os abates são manuais, a quantidade de moscas impressiona e o funcionário admite a irregularidade. "A gente não é liberado, mas a gente abate", diz.

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